A diretora eleita de Planejamento da Previ, Paula Goto, concedeu a seguinte entrevista ao portal Capital Aberto, especializado em mercado financeiro e de capitais. Clique aqui para ler a entrevista original
Jiane Carvalho
Do Capital Aberto
Maior fundo de pensão do país, com R$ 278 bilhões em patrimônio, a Previ voltou a ser alvo de parte da classe política, que cogita instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), e do Tribunal de Contas da União (TCU), que instaurou uma auditoria na fundação. O gatilho para a polêmica foi um déficit de R$ 14 bilhões no Plano 1 – já em fase de pagamento de aposentadorias – registrado em 2024 até novembro. Embora o desempenho seja fruto da desvalorização da parcela investida em renda variável, em uma visão de longo prazo o Plano segue superavitário.
“Falar em rombo ou prejuízo na Previ não está correto. Não precisamos vender nenhum dos ativos por um preço abaixo do valor de mercado”, explica a diretora de Planejamento da Previ, Paula Goto. Na entrevista à Capital Aberto, ela explica a origem do déficit, defende o modelo de alocação da Previ para o Plano 1, que nos últimos 20 anos “acumulou uma rentabilidade 273% acima da meta atuarial” e criticou a proibição de investimento em ativos físicos. A Previ tem hoje perto de R$ 14 bi em imóveis e se a regra não for alterada terá que vendê-los até 2030. “Só para efetuar a transferência dos imóveis, a Previ se veria obrigada a desembolsar R$ 390 milhões em impostos.”
Qual o resultado da gestão de recursos pela Previ em 2024, o dado mais recente disponível? Existe rombo na Previ?
Paula Goto – A Previ tem dois grandes planos, o Plano 1, de benefício definido e com R$ 243 bilhões em patrimônio, e o Previ Futuro, um plano de contribuição variável com R$ 35 bilhões em patrimônio. O dado mais recente disponível é o de novembro de 2024. O Plano 1 estava com um resultado acumulado superavitário em R$ 528,6 milhões. O ano de 2024 foi bastante difícil, de muita oscilação do mercado, que acabou por impactar os planos da Previ. Não existe rombo na Previ. Pelo contrário, o último resultado divulgado mostra superávits nos dois planos geridos.
O desempenho do Plano 1 tem gerado muitas dúvidas no mercado. Afinal, houve prejuízo de R$ 14 bilhões em 2024?
Não houve prejuízo. Falar em rombo ou prejuízo não está correto. A Previ não precisou vender nenhum de seus ativos por um preço abaixo do valor de mercado para honrar seus compromissos. Isso sim, seria prejuízo. O termo técnico em um fundo de pensão para um desequilíbrio entre ativos e passivos é déficit ou superávit. Essa é uma medida que mostra se um plano tem, em uma determinada data, recursos suficientes para honrar todos os seus compromissos futuros. Em 2024, mesmo com a carteira do Plano 1 tendo rentabilidade positiva, esse retorno foi menor do que o projetado, considerando a evolução do passivo, por isso o resultado acumulado do plano foi impactado. De qualquer forma, nosso indicador de solvência indica que o Plano permanece em equilíbrio. A Previ vem executando a estratégia de investimentos orientados pelo passivo para o Plano 1 justo para casar os seus fluxos de recursos e compromissos futuros ao longo de todo horizonte do Plano, atualmente com encerramento previsto em 2100.
Qual ou quais investimentos foram responsáveis pelo déficit de R$ 14 bi do Plano 1? O que houve?
Iniciamos 2024 com um superávit de R$ 14,5 bilhões. O que aconteceu ao longo do ano foi uma oscilação normal de mercado, que refletiu nos resultados do Plano 1 e do Previ Futuro. Alguns dos principais ativos de renda variável tiveram seu valor depreciado, representando um grande volume desse resultado. Ativos de Renda Fixa, que estão marcados a mercado, também oscilaram no período. Mas sabemos que eventuais desvalorizações fazem parte da dinâmica de ciclos de mercado e não comprometem a sustentabilidade dos planos. As empresas da carteira de renda variável da Previ são da economia real, sólidas, que já proporcionaram ótimas rentabilidades para o plano no passado, além de pagarem bons dividendos. Nos últimos 20 anos, a carteira de investimentos do Plano 1 acumulou uma rentabilidade 273% acima da meta atuarial. A rentabilidade do plano também supera o CDI e o Ibovespa no acumulado dos últimos 15 anos. No fim das contas, mesmo diante de um ano tão desafiador, o Plano 1 apenas consumiu parte do “colchão de reserva” acumulado até 2023, chegando aos tais R$ 14 bilhões de déficit no exercício, até novembro de 2024. Porém, com um resultado acumulado ainda de um superávit de R$ 528 milhões, o que mostra que ele se encontra em equilíbrio para continuar honrando com seus compromissos de longo prazo.
Em virtude deste déficit, há algum risco para os participantes do plano ou mesmo para o patrocinador, o BB?
Não existe risco para os associados, nem para o patrocinador, o Banco do Brasil. Em 120 anos de história, a Previ nunca precisou executar um plano de equacionamento, nem cobrar contribuições extraordinárias. Ao contrário: a Previ teve superávits, que permitiram a distribuição de benefícios temporários, entre 2006 e 2013, de mais de R$ 25 bilhões em valores da época para os associados e patrocinador. Foram vários benefícios nesse período. Desde suspensão das contribuições ao plano, reavaliação das premissas atuariais até a distribuição de benefício. Os associados receberam por alguns anos acho que 25% a mais de benefício. Tanto o Plano 1 quanto o Previ Futuro estão em equilíbrio, sem rombos ou prejuízo.
Fala-se muito que os fundos de pensão investem pouco na renda variável e em ativos internacionais, por exemplo. Este tipo de episódio desestimula a tomada de risco?
É importante que as estratégias estejam sempre de acordo com os perfis dos planos e dos associados. A Previ, por exemplo, vem reduzindo a exposição em renda variável no Plano 1, porque ele já é um plano maduro, com um grande desembolso de pagamento de benefícios, que ultrapassou os R$ 16 bilhões em 2024. Mas a renda variável também já proporcionou ótimos rendimentos para esse mesmo plano, como os valores superavitários que citei distribuídos aos associados entre 2006 e 2013. Os gestores dos fundos de pensão precisam olhar e traçar estratégias que atinjam os objetivos dos planos e proporcionem segurança aos associados. É o que fazemos na Previ.
A Previ tem reduzido a exposição a ativos de renda variável? E a renda fixa, tem ganho espaço na carteira?
A Previ tem uma estratégia para cada tipo de plano. O Plano 1 é maduro, com praticamente todos os seus associados aposentados ou recebendo pensão. Para esse plano, a estratégia de investimentos é orientada pelo passivo. Nos últimos anos, estamos migrando paulatinamente a posição de renda variável para renda fixa, para proporcionar mais segurança aos associados e diminuir os impactos da oscilação do mercado nos ativos. Apenas em 2024, a Previ investiu R$ 13 bilhões em títulos NTN-B para esse plano. Já no Previ Futuro, que é um plano em que a maior parte dos associados está em fase de contribuição, a estratégia de investimentos é voltada para performance e, por isso, faz mais sentido ter um percentual maior de renda variável, especialmente nos perfis com maior apetite a riscos. Neste Plano, oferecemos aos participantes 8 opções de perfis de investimento com faixa de aplicação no segmento de renda variável ou alocação em renda variável em relação à data-alvo do perfil, os chamados ciclo de vida.
A Previ divulgou no começo do mês sua nova política de investimentos para o período de 2025-2031. Quais as principais mudanças e por quê?
Um dos destaques no ciclo 2025-2031 é a atualização das métricas de risco, retorno e macro alocação, com mandatos por perfil, além do fortalecimento do foco da atuação da Previ nos critérios Ambientais, Sociais, de Governança e de Integridade em suas estratégias corporativas e na filosofia de investimentos, que engloba as diretrizes gerais e diretrizes de ASGI. Com a estratégia de investimentos orientados pelo passivo, reduzimos a alocação do Plano 1 em renda variável de 45%, em 2020, para 26%, em 2024, enquanto aumentamos de 45% para 64% os recursos investidos em renda fixa. Já no Previ Futuro, as mudanças foram mais estruturais do que de alocação. Nesse plano, o valor do benefício a ser recebido pelos associados depende do quanto foi acumulado durante a vida laboral. Atualmente, o Previ Futuro é estruturado como uma carteira única de investimentos, com os perfis segregados de forma gerencial por um bloco de renda fixa composto e outro bloco de renda variável. Isso significa que o mesmo título público que existe no Perfil Agressivo também existe no Perfil Conservador, mas em percentuais diferentes. Essa estratégia fazia sentido quando a média de idade dos associados era de 30 anos e eles tinham uma longa jornada de acumulação pela frente. Rendeu bons frutos, pois o perfil conservador, por exemplo, tem uma rentabilidade de 123% do CDI desde o seu início. Mas é hora de mudar, para ficar mais aderente ao cenário que estamos vivendo no momento. Com a mudança estrutural, cada perfil terá a sua carteira, o que proporcionará mais agilidade e eficiência. Os perfis mais conservadores, por exemplo, poderão ter mais títulos com vencimentos curtos, o que gera menos volatilidade. Com a estratificação também teremos benchmarks diferentes para cada perfil, assim como limites de macro e mesoalocação customizados.
Quanto a Previ tem em ativos no exterior, como avançar nesta alocação internacional? Vocês estão de olho em oportunidades?
O percentual de ativos no exterior é pequeno diante do tamanho da carteira, mas teve um bom desempenho em 2024. No Plano 1 esse segmento tem R$ 1,55 bilhões, enquanto no Previ Futuro tem R$ 347,85 milhões. Isso corresponde, respectivamente, a 0,68% da carteira do Plano 1 e a 1,01% da carteira do Previ Futuro. O limite de macroalocação que colocamos na Política para investimentos no exterior é diferente para cada plano, exatamente pelo perfil de cada um: no Plano 1 é de até 1,89%, e no Previ Futuro é de até 8,40%. Mas isso não significa que vamos atingir esses percentuais. Claro que estamos sempre olhando para oportunidades.
Os fundos de pensão estão proibidos de comprar ativos físicos, imóveis, e têm que se desfazer até 2030 dos ativos. Qual sua opinião sobre a proibição e gostaria de saber se FIIs podem ser uma alternativa?
Os investimentos imobiliários são históricos na Previ e têm se mostrando bastante rentáveis, mas estão sofrendo impactos desde a publicação da resolução que determinou a vedação da compra direta de imóveis pelas entidades fechadas de previdência complementar. FIIs poderiam ser uma opção e em alguns casos são uma boa alternativa, mas a exigência de que o estoque seja vendido ou transferido completamente para esses fundos traz um custo desnecessário para a Previ, que tem larga experiência na administração de sua carteira imobiliária. A alíquota de Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis no Rio de Janeiro e em São Paulo, por exemplo, é de 3% do valor venal da propriedade. Isso significa dizer que, somente para efetuar a transferência dos imóveis a serem vendidos por força da Resolução CMN 4661 (mantida na CMN 4994), a Previ se veria obrigada a desembolsar R$ 390 milhões em impostos. Estudos realizados pelos nossos técnicos mostram que a estrutura da Previ voltada para gestão própria da carteira de imóveis equivale a uma taxa de administração de 0,20% ao ano. As taxas de administração de FIIs são, na média, 0,50% ao ano, o que representaria um custo adicional, e desnecessário, de mais de R$ 64 milhões por ano. No mundo inteiro, fundos de pensão utilizam a carteira imobiliária como parte essencial de sua estratégia de investimentos. A estratégia é tão atrativa e rentável que fundos internacionais estão comprando imóveis no Brasil para compor suas carteiras. E isso legislação a vigente não veda. Apenas os fundos de pensão nacionais estão proibidos pela Resolução CMN 4994 de investir diretamente em imóveis. Não faz sentido.
Qual é o tamanho da carteira de imóveis da Previ? Já começaram a se desfazer dos ativos? A Abrapp tenta via CMN suspender o prazo de 2030. Qual é a sua opinião?
O segmento de investimentos imobiliários do Plano 1 é de R$ 13,2 bilhões, o que representa 5,79% da carteira. Já no Previ Futuro, é de R$ 989,3 milhões, ou 2,87% da carteira. A negociação desses ativos faz parte da nossa estratégia, para uma renovação da carteira. Por enquanto não estamos fazendo isso pelo prazo de 2030, mas para uma boa gestão com o objetivo de buscar melhor rentabilidade. A exigências de que os estoques existentes de imóveis sejam vendidos ou transferidos para fundos imobiliários até 2030 é bastante prejudicial. Por exemplo: você tem um apartamento e é obrigado a colocá-lo à venda, com prazo para vender. Com uma data limite para desfazimento, o que acontece com o valor do seu imóvel? Provavelmente vai diminuir, já que o mercado inteiro sabe que você precisa vendê-lo para se ajustar à legislação. Não faz sentido. A Previ considera fundamental que exista uma mudança na legislação para permitir a administração direta de imóveis, o que vem fazendo com competência durante décadas. A mudança também é imperativa para impedir custos desnecessários, que significam, na verdade, prejuízo aos nossos participantes.
Foi criada em 2024 a nova debênture de infraestrutura de olho no bolso das fundações. Ainda não tivemos uma emissão, mas interessa na forma como foram criadas?
Embora as novas debêntures de infraestrutura tenham como foco investidores institucionais, tais como fundações e fundos de previdência, uma vez que a isenção fiscal para as empresas emissoras pode resultar em taxas de emissão mais atrativas para os investidores, se comparadas com as debêntures 12.431/2011, existem algumas dúvidas a serem esclarecidas, para que a Previ possa avaliar se a relação risco x retorno é adequada. Tais como a definição de juros, há dúvidas sobre o que exatamente pode ser considerado “juros” para fins de dedução fiscal; e dúvidas sobre a compensação de prejuízos. Outra questão é se os benefícios fiscais podem ser carregados para exercícios futuros. Caso as dúvidas relativas aos benefícios fiscais sejam sanadas, há de se esperar se tais debêntures serão atrativas para os emissores, pois a eficácia dos incentivos fiscais depende de como as empresas percebem e utilizam essas vantagens fiscais em suas estratégias financeiras. Por fim, a Previ consideraria na análise desse investimento o cenário macroeconômico, o risco de crédito, a liquidez, a volatilidade, a complexidade do projeto e/ou empresa e a característica do plano de benefícios e seus perfis de investimento.
O CMN acabou com a obrigatoriedade de marcação de ativos a mercado. Qual a importância para o setor e a Previ?
Esse é um debate que já existia há algum tempo. Tanto o Plano 1 quanto o Previ Futuro possuem a maior parte dos seus investimentos em Renda Fixa. No Plano 1, o segmento equivale a 62,5% da carteira, com R$ 142,8 bilhões em investimentos. Já no Previ Futuro, o montante equivale a 67,5% da carteira, com R$ 23,5 bilhões em investimentos. A maioria dos ativos de renda fixa é de aplicações em títulos públicos federais, as chamadas NTN-B de longo prazo, com vencimentos de até 40 anos, que contribuem para garantir um retorno superior à meta atuarial. Para a Previ a obrigatoriedade da marcação a mercado era prejudicial, porque não temos problemas de liquidez, nem de caixa. A volatilidade da marcação a mercado impacta os resultados dos planos e poderia até trazer prejuízo aos associados que pretendem se aposentar em períodos de baixa rentabilidade, que ocorre quando as taxas praticadas no mercado ficam maiores que as taxas dos títulos que compõem a carteira do plano. A contabilização dos títulos como “mantidos até o vencimento” evita a exposição ao risco do valor de mercado dos títulos.
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