Entre as múltiplas implicações políticas, econômicas e sociais, o resultado do histórico plebiscito do domingo 25 de outubro no Chile coloca também o sistema de previdência no centro do debate.
Por uma esmagadora maioria de 78,2% dos votos, os chilenos decidiram enterrar a Constituição de 1980 da ditatura Pinochet (1973-1990). E 79,07% dos votantes determinaram que a nova Carta será escrita por uma Constituinte exclusiva, composta com paridade de gênero – fato inédito na história.
Pinochet foi o primeiro governo no mundo a implementar as políticas neoliberais de Estado mínimo e privatizações. Com assessoria direta de economistas da Universidade de Chicago, entre eles o próprio Milton Friedman e o então desconhecido brasileiro Paulo Guedes, em 1981 impôs a mais radical reforma previdenciária.
Extinguiu a previdência pública e criou um novo sistema, de capitalização, com contribuições exclusivas dos trabalhadores, desobrigando as empresas de contribuírem. O sistema passou a ser gerido por Administradoras de Fundos de Pensão (AFP). Cada trabalhador contribui com 13,1% da renda, aí incluídas as comissões das AFPs, que cobram taxas de administração altíssimas e abocanham 1/3 de tudo o que cada trabalhador poupa ao longo da vida.
Das 18 AFPs criadas em 1981, o mercado concentrou-se em apenas seis, sendo três controladas por bancos norte-americanos, uma de capital colombiano, uma de capital chileno e uma de capital brasileiro (o BTG Pactual, que teve Paulo Guedes como um dos fundadores).
Quatro décadas depois, o patrimônio das AFPs representa 40% do Produto Interno Bruto (PIB) do Chile. E a média dos benefícios de aposentadoria que os trabalhadores recebem das AFP fica em torno de meio salário mínimo chileno.
A situação dos aposentados e o aumento da miséria dos idosos aumentou tanto que o governo Bachelet criou, em 2008, um benefício de assistência social correspondente a 1/3 do salário mínimo, a ser pago a 60% dos idosos mais pobres, para complementar os benefícios minúsculos pagos pelas AFP.
Cerca de metade dos idosos chilenos não tem benefício de aposentadoria. Não conseguem poupar por passarem boa parte do tempo desempregados, com salários baixos ou na economia informal.
Mas o benefício de Bachelet foi um paliativo que ficou muito longe de resolver o problema. Em 2013 os sindicatos e organizações populares começaram a organizar o movimento “No Mas AFP”, para exigir o fim da previdência privada e a volta da previdência pública para todos.
Esse foi um dos motores dos gigantescos protestos iniciados há exatamente um ano no Chile, que desembocou no plebiscito. Será uma discussão que certamente extrapolará as fronteiras do Chile. E ecoará no Brasil, onde o governo Bolsonaro/Guedes tentou na reforma do ano passado impor o modelo chileno de capitalização e distribuiu armadilhas visando enfraquecer a previdência pública e o sistema de previdência complementar, em benefício do sistema financeiro.
Leave a Reply
You must be logged in to post a comment.