Você já ouviu falar da “patologia da gratidão”? Parece estranho, mas existe e está sendo estudada pela mestre e doutora em Psicologia Social do Trabalho Fernanda Sousa-Duarte.
Ela foi a convidada especial da live “Desafio das mulheres na pandemia”, realizada no canal do YouTube do Associados Previ, em parceria com a Contraf-CUT e os sindicatos dos bancários de Brasília, Belo Horizonte e Curitiba. Você pode também ouvir o podcast da live no Spotify e no Apple Podcasts.
O mercado de trabalho brasileiro vive um contexto estrutural de desemprego e precarização que impacta, invariavelmente, na saúde mental dos trabalhadores e trabalhadoras.
Acontece que atrelado a esse cenário está um outro aspecto: a constante exaltação da individualização do sucesso e do fracasso, exigindo de cada pessoa empregada que sempre seja grata, independente das condições de sobrecarga no trabalho.
“A gratidão em si é uma coisa boa. O problema é quando ela se torna uma coisa compulsória, obrigatória. Você tem que ser grato e essa gratidão não permite que nenhuma insatisfação surja”, explicou Fernanda durante a live.
Ela destacou que, ao serem confrontados com alguma situação de sofrimento e até de abusos no trabalho, as pessoas são orientadas a serem gratas. Mas o que essa gratidão compulsória revela é um sentimento de profunda impotência dos trabalhadores e trabalhadoras, contribuindo no aumento de problemas mentais e físicos entre eles.
Mulheres são as principais vítimas da pandemia
No contexto atual da pandemia, que levou à alocação de muitas pessoas para as atividades em home-office, o grupo que mais saiu prejudicado é o das mulheres, como apontam diversos trabalhos.
Um deles, realizado pelo Sempreviva – Organização Feminista, revela que, durante a pandemia, 50% das mulheres brasileiras passaram a cuidar de alguém da família; 41% que seguiram trabalhando durante a pandemia afirmaram que passaram a trabalhar mais na quarentena. O estudo também mostra que 40% das mulheres afirmaram que a pandemia e a situação de isolamento social colocaram a sustentação da casa em risco. E, entre todas as mulheres responsáveis pelo cuidado de crianças, idosos ou pessoas com deficiência, 72% afirmaram uma sobrecarga ainda maior em relação ao cuidado e monitoramento do outro.
“Quanto mais crescer o desemprego, mais [cresce a] pressão que você pode fazer sobre as pessoas para que elas sejam obedientes, para que elas sejam passivas e para que elas sejam impotentes diante daquilo que é feito”, observou Fernanda Sousa-Duarte. “Sua força de trabalho é, simplesmente, reduzida a esse sentido da gratidão. Isso é simbólico. A partir disso, a gente vê como que se estabelece uma relação de dependência no lugar de uma relação que deveria ser de troca”, completou a pesquisadora.
“Shecession”
A diretora eleita de Planejamento da Previ, Paula Goto, que também participou da live, destacou a criação de um novo termo nas ciências sociais, para designar o impacto da pandemia na retirada de oportunidade das mulheres.
“Recessão em inglês é ‘recession’. A crise dos anos 30, que afetou mais a indústria e aos homens, naquela época, fez surgir a expressão ‘hecession’, juntando a palavra ‘he’, que é ‘ele’ em inglês, à palavra recessão”, explicou a diretora da Previ. “Recentemente, a pesquisadora norte-americana C. Nicole Mason, do Instituto de Pesquisa de Políticas Femininas (IWPR, na sigla em inglês), cunhou a palavra ‘shecession’ (‘she’ é ‘ela’ em inglês) para o momento que vivemos hoje, exatamente porque as mulheres é que estão sofrendo mais no mercado de trabalho com essa pandemia”, completou.
O mesmo estudo do Sempreviva Organização Feminista, mostra ainda que, durante a pandemia, 58% das mulheres desempregadas são negras; 61% delas que estão na economia solidária também são negras. Além de tudo isso, houve um aumento, em relação ao ano anterior, de quase 10% nos casos de violência doméstica contra a mulher durante a pandemia.
Nesse ritmo, igualdade salarial só chega em 2085
“Para nós, mulheres, é sempre um pouco mais difícil, porque, além de reforçar aquilo que já conquistamos, precisamos caminhar para conquistar ainda mais”, ponderou Débora Fonseca, representante dos fu085cionários no Conselho de Administração do Banco do Brasil (Caref).
Levantamento divulgado pelo Dieese mostra que a desigualdade de renda entre homens e mulheres no Brasil ainda é grande. Em 2019, o rendimento médio dos homens no Brasil era de R$ 2.518, contra R$ 1.974 das mulheres. Em 2020, o rendimento médio dos homens no país foi para R$ 2.694 contra R$ 2.191 das mulheres.
A desigualdade continua mesmo quando homens e mulheres ocupam cargos iguais como diretores e gerentes e, até, quando as mulheres possuem o mesmo grau de escolaridade que os homens.
“Levando em consideração a pesquisa do Dieese, no ritmo atual de evolução dos salários, as mulheres só atingirão a equidade salarial com os homens em 2059, isso no geral. Na categoria bancária, somente em 2085”, destacou ainda a secretária de Juventude da Contraf-CUT, Fernanda Lopes.
A remuneração média no Brasil, em 2019, no ramo financeiro, foi de R$ 8.584, entre os homens, e de R$ 5.644, entre as mulheres.
No BB, só há uma mulher vice-presidente
As participantes da live lembraram que, pela primeira vez na história do Banco do Brasil, uma mulher ocupa o cargo na vice-presidência da instituição. “Também, pela primeira vez, temos 33% do conselho sendo feminino”, completou a Caref Débora Fonseca.
“Temos que, realmente, nos unir para conseguir fazer essa reflexão trazendo os homens para pensar também, porque a gente percebe que a participação conjunta, de homens e mulheres, em equipes, enriquece muito as experiências profissionais e pessoais. É uma forma de nós todos crescermos como sociedade”, pontuou.
“Quando uma mulher cresce a sociedade cresce com ela. A gente tem perdas econômicas absurdas pelo fato de as mulheres não serem valorizadas. Se essa parcela da população tivesse o mesmo reconhecimento que os homens teríamos mais dinheiro circulando com impactos positivos na economia”, arrematou.
‘Vivemos o mito da Mulher Maravilha’
Luciana Bagno, diretora do sindicato dos Bancários de Belo Horizonte e conselheira deliberativa eleita da Previ, destacou o desafio da dupla jornada de trabalho das mulheres, que, além de serem obrigadas a manter a mesma eficiência que os homens no mercado de trabalho, precisam dar conta dos serviços domésticos.
“Nós vivemos o mito da ‘mulher maravilha’, da ‘supermulher’. Acho que nós somos mesmo, só que a questão é qual o preço que pagamos por isso”, avaliou, lembrando que pesquisas apontam que as mulheres são acometidas, no mercado de trabalho, duas vezes mais que os homens de depressão e dores crônicas.
Tânia Leyva, secretária de Administração do Sindicato dos Bancários de Curitiba e conselheira consultiva da Previ, destacou que o olhar sobre a condição da mulher na sociedade, especialmente diante das consequências da pandemia, nos obriga a redobrar o posicionamento solidário com famílias em situação de risco.
“Diante desse cenário criamos a campanha Sindicato Solidário para arrecadar alimentos, produtos de limpeza e de higiene pessoal em todas as regiões do país. Basta entrar no site (sindicatosolidário.com) fazer um cadastro e participar. Você poderá, ainda, escolher uma entidade ou comunidade para receber a ajuda”, divulgou.
Ouça o podcast no Spotify.
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