Por José Ricardo Sasseron e Marcel Barros
A diferença entre a previdência aberta, aquela vendida aos consumidores no balcão das agências bancárias e administrada pelos grandes bancos, e a previdência fechada, aquela patrocinada por empresas e por órgãos públicos para seus funcionários e administrada pelos fundos de pensão, é que a primeira tem objetivo de lucro e a segunda, não.
As duas modalidades, no entanto, gozam do mesmo incentivo fiscal: não recolhem Imposto de Renda sobre o rendimento das aplicações dos recursos dos participantes. Na previdência fechada, todo o retorno é canalizado aos participantes e, ao final, aumenta o valor dos benefícios de aposentadoria complementar. No caso da previdência aberta, contudo, o banqueiro é quem fica com a maior parte do lucro gerado e embolsa, por vias tortuosas, o incentivo fiscal previsto na legislação.
Vejamos alguns dados comparativos para chegar a estas conclusões com maior clareza. Os dados a seguir foram tirados do último Relatório Gerencial de Previdência Complementar, publicado trimestralmente pelo Ministério do Trabalho e Previdência. No caso da previdência aberta, mostraremos os números relativos aos VGBL, a modalidade vendida hoje pelos bancos.
Em março de 2022, os VGBL acumulavam R$ 860 bilhões de patrimônio, pagavam benefícios a 6.248 aposentados e pensionistas, no valor médio de R$ 5.351 e valor total de R$ 4,3 bilhões em 12 meses. Tiveram arrecadação líquida de R$ 31,46 bilhões nos 12 meses encerrados em março, com um tíquete (contribuição) média de R$ 1.613 mensais. Já os fundos de pensão, no mesmo período, acumulavam R$ 1,12 trilhão de patrimônio, pagavam benefícios a 879,8 mil pessoas, no valor total de R$ 77,9 bilhões em 12 meses. Tiveram arrecadação líquida de R$ 25,9 bilhões. Nos planos de Contribuição Definida (CD), modalidade semelhante aos VGBL, o tíquete médio foi de R$ 250 e o benefício médio, de R$ 8.275.
VGBL versus planos fechados
Como vemos, os VGBL arrecadam bem mais que os fundos de pensão fechados, mas pagam benefícios a um número infinitamente menor de beneficiários. O valor do ticket médio dos planos CD fechados é muito menor que o dos VGBL, para pagar benefícios maiores que os dos VGBL. Como pode isso?
Os VGBL funcionam, para o consumidor, como uma forma de reduzir o Imposto de Renda na sua declaração de ajuste anual, tributo que o cliente recolhe somente sobre o rendimento de suas aplicações no VGBL. E funciona, também, como uma forma de transferir patrimônio das famílias mais abastadas para seus filhos, ou de guardar dinheiro para a faculdade ou para a compra de um imóvel, por exemplo. É dinheiro aplicado no curto prazo. Não é previdência. Não passa de uma aplicação financeira usada para reduzir o recolhimento de impostos.
Já os planos CD fechados funcionam normalmente como previdência. O participante poupa recursos por algumas décadas para receber um benefício de aposentadoria. Por isso, com um ticket médio menor, investido por mais tempo, recebe um benefício maior que os dos pouquíssimos contemplados pelos VGBL.
Taxas de administração
Outro fator que explica a diferença nos valores dos benefícios é que, segundo o relatório do Ministério da Previdência, a taxa de administração média dos planos abertos é 1,3% ao ano, incidente sobre o patrimônio total, contra a média de 0,28% nos fundos fechados. Cobram muito mais em troca de trabalhos muito menores – como quase ninguém se aposenta nos VGBL, o banco não precisa ficar administrando por décadas o pagamento de benefícios enquanto que, nos fundos fechados, os aposentados usufruem de seus serviços, recebendo benefícios, por décadas. Os VGBL retiram R$ 11,2 bilhões anuais dos participantes anualmente a título de taxa de administração, enquanto os fundos fechados retiram R$ 3,1 bilhões. Verdadeira extorsão praticada pelos bancos que integram o sistema financeiro mais lucrativo do mundo.
Mas, voltemos ao título desta matéria. Como o governo financia o lucro da previdência dos bancos? Um subterfúgio utilizado pelos bancos é a extorsiva taxa de administração. Outro é a apropriação do incentivo fiscal pelo caixa do banco administrador, entregando aos participantes uma rentabilidade menor. O próprio relatório do Ministério da Previdência mostra isso. De 2013 a março de 2022, os fundos fechados renderam 138,7% contra 94,1% dos fundos abertos, aqui incluídos os VGBL. A diferença se transforma em lucro astronômico para o banqueiro.
Novamente segundo o relatório, a previdência dos bancos investe 67% do seu patrimônio em títulos públicos federais, ou seja, emprestando ao Governo. O custo médio da dívida pública, informa o Tesouro Nacional, é de 10,9% ao ano. A esta taxa, os VGBL teriam rendido R$ 93,7 bilhões em 12 meses, e deveriam ter recolhido R$ 14 bilhões em Imposto de Renda se não houvesse a isenção. Esta montanha de dinheiro engordou o lucro dos bancos, quando deveria servir para financiar o SUS para mais de 200 milhões de brasileiros ou a Previdência Social para mais de 35 milhões de beneficiários.
Defendemos que este benefício fiscal seja extinto porque se transforma em lucro para o banqueiro e não em benefício para o participante. O incentivo fiscal deve ser mantido somente para os fundos fechados que não visam lucro, pois se converte de fato em maiores benefícios de aposentadoria.
* José Ricardo Sasseron foi presidente da Associação Nacional de Participantes de Fundos de Pensão e de Beneficiários de Planos de Saúde de Autogestão (Anapar), diretor de Seguridade da Previ e diretor do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região.
** Marcel Barros é presidente da Anapar.
(Publicado originalmente no portal Rede Brasil Atual)
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