A reforma da Previdência que o governo Bolsonaro tenta aprovar no Congresso Nacional faz parte de um projeto maior de ataque aos direitos dos trabalhadores e de destruição dos fundos de pensão, em benefício do sistema financeiro. Isso deixará grande parte da população brasileira sem aposentadoria, a exemplo da reforma previdenciária do Chile imposta durante a ditadura Pinochet, que resultou em um sistema de capitalização em que 80% dos assalariados recebem benefícios inferiores a um salário mínimo e 44% estão abaixo da linha de pobreza.
Esses foram, em síntese, os conteúdos das palestras do ex-ministro da Previdência Social do Brasil, Carlos Gabas, e do economista Andras Uthoff, professor de Economia e Negócios da Universidade do Chile, na abertura do 20º Congresso Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão, que está sendo realizado nesta quinta-feira 23 e sexta 24, em São Paulo, organizado pela Anapar.
“A previdência social pública no Brasil é o maior sistema de redução de desigualdade social em uma sociedade que foi construída com base na escravidão, que na verdade nunca foi de fato extinta em nosso país. O governo Bolsonaro quer destruir esse sistema. A PEC 06 é a continuidade de um projeto de ataque do capital neoliberal contra os direitos trabalhistas e também contra os fundos de pensão”, afirmou Gabas, ministro da Previdência Social no governo Dilma Rousseff.
Reorganizar as fontes de financiamento da previdência
“Querem desmontar o conceito de seguridade social com uma lógica baseada em dois eixos: impor um regime de capitalização com contribuição exclusiva dos trabalhadores e retirar da Constituição as regras do sistema previdenciário para montar um novo sistema que isenta os patrões da obrigatoriedade de contribuir com a seguridade social”, afirmou Carlos Gabas.
O que o governo tenta implementar, na opinião do ex-ministro, é um ajuste fiscal às custas do trabalhador. A reforma que Gabas defende, para acabar com o deficit conjuntural do sistema, passa pela reorganização das fontes de financiamento da previdência social, primeiro com o crescimento da economia e geração de empregos, e depois com aumento da taxação da riqueza e com o fim da evasão fiscal.
Críticas à CGPAR
Gabas também criticou os ataques do governo e do mercado financeiro ao sistema de previdência complementar, notadamente a resolução 25 da Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Participações Societárias da União (CGPAR), que reduz a contribuição dos patrocinadores e recomenda a terceirização da gestão dos planos de benefícios. “Dizer que os fundos de pensão são inviáveis e têm que ser passados ao mercado é destruir tudo o que construímos. Eles querem entregar o dinheiro dos trabalhadores para os bancos, que foi o que aconteceu no Chile”, concluiu o ex-ministro.
A trágica experiência chilena
Segundo palestrante da abertura do 20º Congresso, o economista chileno Andras Uthoff fez uma apresentação detalhada sobre a reforma previdenciária chilena imposta em 1981, oito anos depois do golpe militar, pelo ditador Augusto Pinochet, “que teve a mesma motivação ideológica neoliberal que a proposta atual de reforma do governo brasileiro.
Com a promessa de que com a reforma os aposentados receberiam benefícios equivalentes a 70% do valor de seus últimos salários, lembra o professor da Universidade do Chile, acabaram com a previdência social pública e passaram para as administradoras de fundos de pensão, empresas do mercado financeiro. As empresas deixaram de contribuir e a capitalização passou a ser feita exclusivamente com a contribuição do trabalhador, na base de 10% do valor.
Como contou Uhtoff, o Estado, que administrava o sistema previdenciário público, deixou a regulamentação do setor com as próprias administradoras dos fundos e a transição de um modelo para o outro custou 130% do PIB chileno, o que foi pago com recursos retirados de investimentos em saúde, educação e outros programas sociais.
Com a redemocratização e a eleição da socialista Michele Bachelet, o governo chileno criou, em 2008, a Previdência Solidária Básica e um Aporte Assistencial, ambos voltados para pessoas idosas com baixa ou nenhuma renda, o que atenuou o problema, mas está longe de uma solução digna.
Contudo, hoje, 79% dos aposentados chilenos ainda recebem menos de um salário mínimo de benefícios e 44% vivem abaixo da linha de pobreza, principalmente as mulheres. “Na verdade, não temos previdência, mas uma lógica individual para cada trabalhador”, disse o professor chileno.
Segundo Uthoff, depois do Chile, outros 29 países instituíram previdência em regime de capitalização. Desse total, 18 já retrocederam.
Fonte: Anapar
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