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Durante os quatro primeiros meses de 2022, especialistas convidados pela Associação Nacional de Participantes de Fundos de Pensão e de Beneficiários de Planos de Saúde de Autogestão (Anapar) formaram um grupo de trabalho, com diretores da entidade, para elaborar propostas de aperfeiçoamento do arcabouço regulatório do sistema fechado de previdência complementar brasileiro.
O documento evidencia os principais obstáculos que se apresentam e propostas para superá-los, no que diz respeito a governança e a investimentos das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) em um governo democrático e popular.
Em qualquer sociedade capitalista, os investimentos de longo prazo são necessários para o seu funcionamento pleno, particularmente em Infraestrutura. Isto requer que o Estado estabeleça um ambiente seguro, com marcos institucionais adequados, para que os agentes do mercado sintam segurança jurídica ao aplicar seus recursos. Os fundos de pensão constituem a única poupança de longo prazo estável e disponível no Estado, daí a sua importância. Da mesma forma, representam veículos fundamentais para a manutenção da qualidade de vida dos trabalhadores após o período laboral, desonerando, financeiramente, o Estado e a sociedade.
Ocorre que, a despeito de toda essa relevância, o segmento tem enfrentado inúmeros obstáculos à sua manutenção e desenvolvimento, todos recentemente impostos, notadamente a partir dos agentes que se instalaram nos últimos dois governos, que impediram sobremaneira que essas Entidades cumprissem com a sua missão delegada pelo legislador.
Busca-se, aqui, apontar elementos de reflexão sobre os desvios estruturais que foram observados nesse período, tanto na tentativa de reinterpretar a legislação em prejuízo dos participantes, quanto na fiscalização das operações de investimentos e de previdência, cujos interesses e objetivos alheios ao setor tornam-se a cada dia mais explícitos.
Assim, serão destacados processos de tentativa de sucateamento das EFPC; de criminalização dos investimentos na economia real e dos gestores das EFPC; e da politização de órgãos do Estado, notadamente o Ministério Público Federal (MPF) e a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC).
1) Contexto Internacional das EFPC e similaridades no Brasil
Por um longo período, as EFPC no Brasil vivenciaram condições bastantes díspares em relação a fundos de pensão em outros países. A convivência com a alta inflação por longos períodos foi determinante para a constituição de um quadro diverso das economias no mundo. Isso favoreceu uma economia que privilegia o “rentismo” em contraposição à economia real.
Quando se observa o ambiente internacional, no qual a realidade que se apresenta nos últimos anos no Brasil já se encontra consolidada há décadas – mesmo considerando os efeitos da pandemia da COVID no mercado financeiro e de capitais – constata-se que o caminho adotado pelos fundos de pensão internacionais foi a busca por maior rentabilidade junto a ativos vinculados à economia real.
2) Alinhamento político
É desejável que um Governo Democrático e Popular tenha no planejamento um fio condutor estratégico que oriente os horizontes político, econômico e social, para tentar atingir os melhores resultados na gestão. No caso específico das EFPC, objeto deste texto, esse alinhamento engloba os setores envolvidos na formulação de projetos de Investimentos de Longo Prazo, na previsão de controles, de risco e retorno e, principalmente, com os financiamentos necessários para sustentar o desenvolvimento de setores estratégicos para o País. Além disso, o planejamento tem o papel de indicar que os recursos utilizados pelas Entidades fazem parte do patrimônio dos trabalhadores, que serão utilizados no momento da aposentadoria.
Todavia, é preciso evoluir, tanto na técnica de análise da estrutura do investimento apresentado no âmbito das EFPC, quanto nos aspectos contratuais que sustentam a operação entre os envolvidos no negócio, que possam evitar equívocos do passado. Requer-se, ainda, que os órgãos de fiscalização e controles do Estado estabeleçam mecanismos mitigadores de riscos mais assertivos, para possibilitar que esses investidores estratégicos os adotem como parâmetros em suas decisões e atos regulares de gestão e, desta maneira, possam superar os fantasmas das eventuais operações não performadas. Assim, os dirigentes das EFPC passam a ser fiscalizados pelo Estado, com base em suas decisões e seu comportamento, e não pelos resultados dos investimentos, que são, por sua natureza, incertos.
3) Gestão de Risco e Governança nas EFPC
O tratamento a ser dado pelas EFPC nas questões referentes à Gestão de Risco e Governança deve ser objeto de forte priorização, respeitado o porte e a complexidade da Entidade e da operação. Ou seja, não se pode exigir de uma Entidade pequena o mesmo padrão de análise que se aplica às maiores, ou às do grupo especial. A mesma atenção se espera por parte dos órgãos de Estado que integram o Sistema, tais como o Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) e, principalmente, a PREVIC, cuja atuação deve se pautar na transparência, na objetividade, nos princípios da boa técnica, bem como nos limites de interesse que o regulador pode eventualmente fiscalizar, delineando que a atividade ali desenvolvida deve ser educativa, orientativa e não-punitivista, persecutória e extorsiva como acontece atualmente. A discricionariedade fomenta distorções e inseguranças jurídicas. Os dirigentes e profissionais do Sistema são tratados, hoje, como incompetentes ou corruptos em potencial, a partir de uma visão tecnocrata/punitivista que não condiz com esses mais de 40 anos de experiência acumuladas no setor.
Assim, no caso de Entidades de menor porte, por não possuírem estruturas para manter áreas de risco, de compliance, auditorias internas próprias ou robustas, como requer o tipo de atividades desenvolvidas, faz-se necessário alguma forma de prover esses serviços de forma consistente. Eventualmente, um pool de entidades poderia constituir uma estrutura comum de prestação de serviços, que, associado à contratação de empresas especializadas de risco, possa atender às necessidades.
Quanto às entidades de maior porte, que já contam com estruturas permanentes de gestão de riscos e outras estão em fase de construção, falta um parâmetro de melhores práticas que possa orientar o aprimoramento das estruturas existentes, de forma a se evitar a simples transposição de modelos de risco das instituições financeiras para os fundos de pensão.
Em relação ao órgão de regulação, espera-se a indicação de um padrão mínimo de gestão de riscos e governança a ser observado pelos agentes do sistema, com regras claras a serem seguidas, impedindo interpretações subjetivas e pessoais, como ocorre muitas vezes, com diferença entre os escritórios regionais, por parte da fiscalização da PREVIC.
4) Operação do segmento fechado de previdência complementar
Os principais agentes que operacionalizam o objeto da relação previdenciária no interesse de participantes e assistidos, são os órgãos de Estado e as próprias EFPC. Nesse contexto, cabe uma avaliação na estrutura de passivos dos planos de benefícios, tendo em vista o viés histórico relacionado à atenção quase exclusiva no ativo (investimentos) das EFPC.
No que diz respeito à estrutura de supervisão e regulação, considere-se um ambiente que tem apresentado crescimento e inovações. No entanto, observa-se que o órgão de regulação (CNPC) apresenta sub-representação dos principais atores (participantes e patrocinadores) em voz e voto. Da mesma forma, do ponto de vista da supervisão, o setor de previdência complementar tem operado com enorme insegurança jurídica em função da atuação recente da PREVIC, tanto na parte de fiscalização quanto na parte de licenciamento. No âmbito sancionador do setor, temos a Câmara de Recursos da Previdência Complementar (CRPC), com a maioria de seus 07 membros sendo do Estado, atuando com viés punitivista e em absoluto conflito de interesses, dada a ausência do equilíbrio e isenção requeridos, pois há membros da PREVIC (auditores fiscais e procuradores federais, que atuam na primeira instância) tendo assento nessa corte de segunda instância (CRPC). Aliás, o próprio comando normativo (Decreto nº 4.942, de 2003) requer urgente reforma, com o objetivo de aperfeiçoar o processo administrativo sancionador. Por fim, faz-se necessário realinhar as competências dos demais órgãos do Estado, como a PREVIC, a Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem (CMCA), a Secretaria (ou Sub-Secretaria) de Previdência Complementar do MTP/Ministério do Trabalho e Previdência, o Tribunal de Contas da União (TCU) e os Tribunais de Contas dos Estados (TCE).
Quanto à gestão das EFPC, o exercício das funções de dirigentes e Conselheiros das Entidades Fechadas de Previdência Complementar tem sido desafiador, devido ao progressivo aumento das responsabilidades, sem a respectiva contrapartida, no âmbito da autoridade. Os principais mecanismos capazes de garantir independência e isenção por parte de dirigentes e Conselheiros das EFPC no exercício de suas funções, seriam o mandato e o fortalecimento do exercício do ato regular de gestão. No entanto, esses institutos têm sido permanentemente desrespeitados, e alguns vieses apresentam-se como referências para garantir a sustentabilidade das EFPC, como a supervalorização da tecnologia; um pretenso processo de concorrência; e o excessivo e único foco nos investimentos.
Sobre a aplicação dos recursos garantidores dos planos de benefícios, é importante ressaltar tratar-se somente de atividade-meio para que o objetivo primeiro, de garantir proteção e segurança aos participantes, possa ser alcançado. Nesse sentido, o Sistema carece de aperfeiçoamentos nas modelagens dos planos de benefícios, como forma de realçar o seu necessário caráter previdenciário, por meio do respeito aos direitos adquirido acumulado. No âmbito da regulação, observa-se a necessária atualização das normas relativas ao tratamento dos resultados dos planos de benefícios, cuja formulação não considerou situações econômicas e sociais similares àquelas recentemente observadas.
5) Investimentos no setor produtivo
Além de proverem renda para seus assistidos – principal objetivo dos fundos de pensão, com a consequente desoneração futura do Estado – o direcionamento dos recursos financeiros acumulados para investimentos no setor produtivo, assim compreendido o segmento que envolve atividades relacionadas à economia real, consolida a relevância estratégica dos fundos de pensão no financiamento do crescimento econômico do País, como se pode observar junto às principais nações desenvolvidas no mundo.
Das modalidades de investimentos constantes da regulação vigente, as seguintes são passíveis de alocação no setor produtivo: renda fixa, renda variável e investimentos estruturados. Ocorre que o comportamento do Estado, particularmente por parte da PREVIC, tem desestimulado operações da espécie, devido ao indiscriminado processo de criminalização de dirigentes e Conselheiros dos fundos de pensão. Nesse sentido, cabe restabelecer os papéis e responsabilidades de cada agente envolvido nos processos de investimentos: os dirigentes e Conselheiros devem responder pela qualidade da tomada de decisões e monitoramento das operações; a PREVIC deve fiscalizar as EFPC e não os ativos investidos; e a Comissão de Valores Mobiliários – CVM e o Banco Central do Brasil – BACEN, no âmbito das respectivas competências, devem fiscalizar os ativos e operações nos mercados financeiro e de capitais.
6) Rearranjos normativos, institucionais, organizacionais
Por todo o exposto nos tópicos antecedentes, resta evidenciada a necessidade de harmonização do arcabouço legal e normativo vigente, aplicável aos investimentos dos recursos, fundos e reservas das EFPC e das EAPC nos mercados financeiros e de capitais operados pelos Bancos, Seguradoras e demais agentes de mercado.
Da mesma forma, faz-se necessário promover atualização das normas relacionadas ao processo administrativo sancionador, no âmbito da Previdência Complementar e dos órgãos integrantes do Sistema Financeiro Nacional e dos órgãos de controle da Administração Federal.
Finalmente, busca-se o fortalecimento dos órgãos de Estado com vistas ao exercício da fiscalização estatal destinada a reger as atividades pertinentes à Previdência Complementar Fechada, além da consequente alteração nas competências e composição do CNPC e da CRPC.
Conclusão
A ANAPAR acredita que a previdência complementar fechada deve ser vista pelo governo, pela sociedade e por seus próprios dirigentes, como indutor da retomada do crescimento e do desenvolvimento do país. As principais medidas capazes de viabilizar esse cenário constam deste sumário e podem resgatar a vocação que justificou a criação do segmento fechado de previdência complementar, conduzindo-o ao patamar de relevância que ocupa nos maiores e mais desenvolvidos países do mundo.
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