O artigo abaixo foi publicado no portal Brasil247 por Francisco Alexandre, ex-diretor eleito de Administração da Previ.
Francisco Alexandre
O sistema de previdência que o governo quer implantar não fica de pé, quando comparado com o que acontece em outras partes do mundo. Os dados mostram que dos 32 países que ingressaram no sistema de capitalização puro, o mesmo que está sendo debatido no Congresso, 18 já passaram ou passam por processo de revisão da decisão com reintrodução de sistemas públicos. Isso, por si só, demonstra que a alternativa apresentada como salvação a ser implantada a todo custo, segundo as vozes do governo e de agentes de mercado, é erro que precisa ser evitado.
No sistema de capitalização como tem pensado o governo, contribui para consumir a poupança ao longo de anos os custos administrativos e o insucesso na expectativa de retorno dos investimentos. Os custos administrativos são responsáveis por reduzir bastante o montante final destinado ao benefício. Recentemente a Previc (Superintendência de Previdência Complementar) publicou o documento Estudos de Despesas Administrativas das Entidades Fechadas de Previdência Complementar, entidades sem fins lucrativos. O estudo é composto por dados de 255 entidades e 1.027 planos de previdência e mostra que o custo médio para administrar os recursos nessas entidades de 0,82% ao ano.
Já nos fundos abertos de previdência complementar a taxa de administração varia entre 1,25% e 2,5% ao ano, o que impacta diretamente nos rendimentos. Para se ter uma ideia, considerando apenas a diferença na taxa mais baixa do sistema aberto (1,25%) com a taxa média das entidades fechadas (0,82% ) e ainda levando em conta uma rentabilidade anualizada de 5%, somente a diferença de taxa representará a redução superior a 11% do valor poupado ao final de 40 anos – perda que crescerá à medida que se aumente a taxa de administração.
Outro dado que também pode ser comparado são as rentabilidades acumuladas de fundos de entidades abertas com os de entidades previdência fechadas. Nos últimos sete anos, 2012 a 2018, os dados da Andima (Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro) revelam que as entidades abertas tiveram rentabilidade de 72,5%, numa amostra de mais de 150 planos. Enquanto nas entidades fechadas a rentabilidade acumulada foi de 92,3%, conforme Relatório Consolidado Estatístico da Abrapp, compreendendo 247 entidades e mais de 900 planos, com composição de ativos similares.
As despesas com a gestão dos fundos mostram seus efeitos na rentabilidade dos planos. A diferença nas rentabilidades não pode ser confundida com falta de eficiência na gestão das entidades abertas. Ela é reveladora, por outro lado, do efeito das taxas cobradas para administrar o dinheiro de quem entra do sistema. É disso que cuida a discussão de remeter para bancos e administradoras o sistema de previdência.
O Chile, por ser o exemplo a se evitar, e ainda por estar bem perto, tem repercussão maior entre nós, até porque há mais dados e maior precisão na avaliação de como estão sendo os benefícios dos aposentados daquele país 38 anos depois do início da capitalização, em 1981. Lá, os benefícios estão no chão, em torno de 30% do salário mínimo. Para minimizar a situação foi introduzido benefício 100% público para os mais pobres e se discute atualmente nova reforma para ampliar a cobertura do sistema público. A conta do passado foi para governo chileno, em torno 1,3 vezes o PIB daquele país. Na reintrodução do sistema público, os empresários estão sendo chamados a assumir sua parte.
O que acontece nos países com capitalização poderá se repetir no Brasil, caso seja mantida a ideia de acabar com o sistema público e de introduzir o mecanismo de capitalização com contribuição apenas dos trabalhadores. O sistema apenas com uma parte contribuindo não se sustenta. Os valores de contribuição para possibilitar benefícios serão elevados ao ponto de inviabilizar a adesão dos trabalhadores, ou seja, inicia-se um ciclo de pessoas condenadas a viverem na pobreza.
Outra variável relevante que tem sido subavaliada é a expectativa de retorno dos ativos. No Chile, em 1981, as projeções foram feitas utilizando expectativas de taxas de retorno dos investimentos entre 8 e 10%, o que não se confirmou, pois não é fácil taxa real anualizada nesse patamar num ciclo de 40 anos.
No Brasil, a taxa de retorno sobre os investimentos bastante utilizada é o indexador INPC + 5% (taxa de juros atuariais ou índice de referência). No período de 2012 a 2018, o INPC + 5% atingiu 109,81%. Nos fundos de pensão de entidades abertas, do mercado, englobando mais de 150 planos, com perfis balanceados até 15%, entre 15% e 30% e mais de 30% em ações, a rentabilidade média foi de 72,5%, conforme dados da Andima. Ou seja, INPC + 2,10%, rentabilidade menor que a da caderneta de poupança.
Esses dados mostram como funciona o mercado de fundos de previdência. As rentabilidades ficam longe das expectativas apresentadas na hora da venda dos planos, o que resultará em valores acumulados muito aquém dos necessários para cumprir os benefícios esperados. As rentabilidades acumuladas dos planos abertos revelam que quem ficará com a maior parte dos resultados será o sistema financeiro. Tem sido assim nos planos abertos atuais.
É relevante entender as razões das diferenças de rentabilidades dos dois sistemas de entidades fechadas (arranjos que envolvem empresas e trabalhadores) e os sistemas abertos de mercado, que é defendido pelo governo. Os sistemas fechados são instituições sem fins lucrativos, onde as rentabilidades são totalmente revertidas em benefícios de quem participa do plano. Já nas estruturas privadas, na avaliação de quem administra o plano está a busca de lucro para a instituição financeira responsável pela gestão do plano.
Na estrutura da maioria dos países, inclusive o Brasil, os fundos de pensão fechados são complementares ao sistema público, funcionam como mecanismo de complementação ao sistema oficial, com obrigações partilhadas entre trabalhadores e empregadores.
O Congresso Nacional, responsável por avaliar a proposta de reforma, se quiser tornar o modelo do país próximo dos melhores exemplos precisará, antes, avaliar outros sistemas. O baseado em três pilares: um público, um complementar obrigatório para patrões e empregados e outro opcional para aqueles que têm interesse em aumentar a renda além dos limites pagos pelos dois pilares obrigatórios. É a experiência de maior abrangência entre os países, principalmente nos vinculados à OCDE.
A solução de arranjo com a alternativa de três pilares é viável, pode ser realizada garantindo direitos acumulados (tempo de contribuição de quem está no sistema), pode se avaliar novos limites do sistema público. Essa opção possibilita avaliar opções que mantenham a perspectiva de benefício similar ao que se projeta atualmente, diminui substancialmente o custo de transição, além possibilitar a redução de custo para empregadores. É uma opção que permite avaliar composições que vão além da proposta que está em debate.
A discussão sobre alterações no sistema de previdência, por sua vez, precisa ouvir os trabalhadores, principais interessados na discussão que se trava no Congresso acerca das medidas que pretendem alterar substancialmente regras, direitos e expectativas de benefícios para mais de 90 milhões de pessoas. Não é correto tratá-los com total desrespeito. Sem que lhes seja dado voz para dizerem o que pensam, se é possível negociar alternativas, se da parte deles há propostas a serem apresentadas.
O mesmo tratamento precisa ser dado a especialistas no tema, profissionais que conhecem a realidade do sistema de previdência brasileiro para darem suas opiniões e contribuições para a reforma. Apresentando, se for o caso, alternativas e possibilidades, ou seja, juntar experiências para encontrar alternativas viáveis e evitar a aprovação de um projeto de reforma que coloque o nosso sistema de previdência entre as piores, capaz de se criar no futuro uma legião de miseráveis no Brasil.
Desde a posse, em janeiro, o governo tem tocado numa única tecla para justificar a estagnação da economia, a reforma da Previdência. Aponta-a como medida messiânica capaz de resolver todos os males. No mesmo tom se posicionam grandes meios de comunicação e empresários. É como se um dia após a reforma tudo estivesse resolvido. O que não é verdadeiro.
O enfrentamento da crise do país requer medidas que gerem empego e renda como primeiro passo para a retomada do crescimento. Mas o governo tem apostado no estrangulamento da economia, contribui para a agudização a crise, a ponto de em cinco meses governo nada ter feito com intuito de tentar retomar o crescimento. O objetivo central tem sido impor o projeto de reforma que pune as pessoas.
Francisco Alexandre é ex-diretor eleito de Administração da Previ e ex-presidente da BRF Previdência
Leia o artigo no portal Brasil247.
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