Por José Roberto Ferreira[1] e Ricardo Pena[2]
A Emenda Constitucional nº 103/19 completou três anos, tempo suficiente para avaliar os principais efeitos da reforma da previdência sobre os trabalhadores da iniciativa privada e sobre os servidores públicos civis.
Desde o início das discussões, a única preocupação dos representantes do governo consistia na economia necessária a ser alcançada para os cofres públicos da União, observado o horizonte de 10 anos. O número projetado correspondia a R$ 1 trilhão e o mecanismo escolhido foi a Previdência Social.
Assim, as medidas foram tomadas com uma visão meramente fiscalista de que as despesas previdenciárias impedem o crescimento sustentável do País, cujo único propósito era o de reduzir o endividamento primário da União (em três anos as medidas geraram uma economia de R$ 156 bilhões superando a expectativa inicial de R$ 88 bilhões). Sob a ótica fiscal e orçamentária, a medida mostrou-se exitosa, no entanto, não se discutiu os desafios demográficos do envelhecimento da população brasileira e os problemas atuariais dos planos de benefícios em termos de cobertura previdenciária. O resultado foi a absoluta frustração de expectativas por parte dos segurados.
No geral, houve elevação da idade mínima de aposentadoria, aumento do tempo de contribuição e imposição de alíquotas progressivas de contribuição sobre os salários, aperto nas regras de cálculo do benefício previdenciário, redução no valor das pensões e das aposentadorias por invalidez, regra de transições mais duras, limitação no acúmulo de benefícios previdenciários, aumento dos requisitos para aposentadorias especiais (trabalhadores com deficiência, atividades de riscos ou que prejudiquem a saúde a integridade física) e instituição de contribuição extraordinária para os servidores públicos.
Existem atualmente mais de 10 ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) impetradas no Supremo Tribunal Federal (STF) por entidades representativas de trabalhadores/da sociedade civil organizada que giram em torno da nova alíquota de contribuição previdenciária (ADI 6254, 6255, 6258, 6271 e 6367), que passou a ser progressiva e trouxe aumentos nos percentuais de desconto, da aposentadoria especial (ADI 6309) e do cálculo de benefícios da aposentadoria por incapacidade e da pensão por morte (ADI 6384 e 6385).
Esse cenário tem aumentado a demanda pela previdência privada e, sob esse aspecto, poderia ser considerado positivo. No entanto, o único setor que tem apresentado crescimento significativo nos últimos anos é o segmento aberto de previdência complementar, operado por bancos e seguradoras. Tais instituições, por possuírem finalidade lucrativa, oferecem menores retornos para os participantes daqueles planos de previdência. A alternativa seria a previdência complementar fechada – os fundos de pensão, sem finalidade lucrativa e cujos resultados são totalmente revertidos em benefício dos seus participantes – cujos planos têm sido, cada vez mais, viabilizados ao acesso de todos os cidadãos.
Serviço público
Para os servidores públicos a medida de maior impacto foi a imposição de alíquotas progressivas de contribuição sobre a remuneração mensal, que passou de 11% para alíquotas que podem chegar a 22% (sem contar o enorme arrocho salarial desde 2017), configurando um possível confisco nos salários se somar a previsão de contribuição extraordinária para financiar o déficit previdenciário (por até 20 anos), desconto dos aposentados e pensionista e o pagamento do IRPF/Imposto de Renda Pessoa Física.
Outro questionamento dos servidores públicos em atividade foi no novo cálculo da pensão por morte que foi reduzida e passou, com a EC nº 103/2019, a ser pela média das remunerações com cota familiar de 50% acrescida de cotas de 10 pontos percentuais por dependentes, violando assim princípios da vedação ao retrocesso social, da dignidade da pessoa humana e da proteção à família.
No entanto, esse segmento dos funcionários públicos sofreu dois importantes impactos em decorrência da promulgação da Emenda Constitucional nº 103/2019: foi imposta a criação da planos de previdência privada para todos os servidores públicos vinculados a regimes próprios de previdência social; paralelamente, foi permitida a atuação da previdência complementar aberta, no segmento de previdência privada até então restritos à previdência complementar fechada.
No primeiro caso – previdência privada compulsoriamente criada para regimes próprios de previdência social da União, Estados, Distrito Federal e Municípios – como por enquanto não há lei regulamentando a atuação da previdência aberta nesse setor, apenas a previdência fechada poderá atuar.
O que poderia ser uma boa notícia – a criação de número superior a 2 mil planos de previdência poderia representar grande crescimento do segmento fechado de previdência complementar – acabou representando um enorme ônus e potencial desperdício de recursos públicos e privados, tendo em vista que a quase totalidade dos municípios e estados não necessitam de complementação previdenciária, pois a maioria de seus servidores se aposenta com níveis de remuneração abaixo do teto do RGPS (R$ 7.087,22), e a União e os maiores estados da Federação já possuem previdência complementar implementada para seus servidores. Portanto, é muito provável que tais planos de benefícios se mostrem financeiramente inviáveis e precisarão migrar, futuramente, para o segmento aberto de previdência privada, embora mais oneroso em relação à baixa cobertura previdenciária, poderá ser mais competitivo sob a ótica dos custos de administração, em decorrência da escala operacional que possui.
Quanto ao segundo caso, pode resultar na migração de planos de benefícios atualmente sob administração de entidades fechadas de previdência complementar (EFPC), para o segmento aberto (EAPC). Esse fenômeno tem como referência atributos de economicidade, cuja ausência de regulamentação oferece graus de liberdade para os patrocinadores, que podem arbitrar em favor do segmento aberto de previdência privada, mais onerosos para os participantes.
Portanto, como se observa, não há um só motivo previdenciário para se comemorar os três anos da intitulada Reforma da Previdência, exceto quanto aos efeitos fiscais, até porque essa, de fato, foi a sua verdadeira motivação.
[1] Economista com MBA em Controles Internos, Finanças Corporativas, e em Gestão Avançada de Negócios. Mestrado em Direção e Gestão de Planos e Fundos de Pensão, pela Universidade de Alcalá/Madri. Foi diretor-superintendente da Previc. Atualmente é sócio-diretor da Rodarte Nogueira & Ferreira.
[2] Economista com pós-graduação em Atuária e Finanças pela Fipecafi/FEA-USP e doutor em Demografia pelo CEDEPLAR-UFMG. É auditor-fiscal da RFB/ME. Foi diretor de investimentos e Secretário de Previdência Complementar (2005-2009). Foi o primeiro diretor-superintendente da PREVIC (2010-2011) e o primeiro diretor-presidente da Funpresp-Exe (2012-jan/2022). É autor do livro “A demografia dos fundos de pensão”, da coleção MPS, 2007.
(Publicado originalmente no portal www.anapar.com.br).
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